terça-feira, 6 de julho de 2010

O PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO DE SANTA RITA DE JACUTINGA

Américo Maia Vasconcelos Neto (*)

Duas ferrovias – A EFCB e a Rede Sul Mineira (depois, Rede Mineira de Viação) - se encontravam nesta pequena cidade de Minas, encravada entre o rio Preto, que divide o Estado com o do Rio de Janeiro, e a escarpa da Mantiqueira. Os seus ramais que ali chegavam tiveram histórias muito interessantes, que guardam alguma relação entre si, como tentaremos mostrar nestas notas. A RMV foi erradicada no início dos anos 1960, e a EFCB, no seu final, deixando, na região, pedaços de um patrimônio que, apesar do mal trato dispensado pelo poder público, ainda é venerado, com muito carinho, pelos que ainda viram o trem em sua cidade.

O movimento ferroviário na região começou logo que os trilhos da EF D.Pedro II chegaram ao vale do Paraíba. Tinham o propósito de trazer para as estações recém-inauguradas, o café que há vários anos era colhido em suas fazendas. Valença era um dos pólos do comércio, de lá saindo o primeiro projeto para uma ferrovia de baixo custo: a Valenciana, incorporada para explorar a concessão dada pelo Império em 1866, sem qualquer benefício financeiro, para os 24 km que ligariam Desengano (Juparanã), à sede do município. Empregando a bitola de 1,10 m, ali chegou em 1871, quando a província já havia subscrito, para ajudá-la, um terço do seu capital inicial. A Valenciana obteve mais apoio do governo provincial em 1878, quando teve deferido o seu pedido para a concessão do prolongamento de Valença à margem direita do rio Preto. Do outro lado do rio, estava a então vila de Rio Preto, em Minas Gerais, sede do município também produtor de café, que compreendia a então freguesia de Sta. Rita. Esta concessão foi acompanhada com o benefício financeiro da garantia de juros de 7% sobre o capital de $1.000 contos. Dois anos depois, a Valenciana chegava ao rio Preto, com km 63, cuja estação que recebeu o nome de Parapeúna, onde era embarcada parte do café produzido do lado de Minas.

Seguindo o exemplo dos cafeicultores de Valença, os do distrito de Sta. Isabel também planejaram a sua ferrovia, ligando-o à EFCB em Barra do Piraí , passando por Ipiabas e Sto. Antônio do Rio Bonito (Conservatória). Sta. Isabel ficava a 9 km do rio Preto, mas bem acima de Parapeúna. Na outra margem e, distante 5 km, estava Sta. Rita de Jacutinga. A concessão do privilégio foi dada pela província em 1872, com garantia de juros de 7 % sobre $2.000 contos. Apesar deste favor, a concessão não foi adiante. O governo a renovou em nome de outros em 1876, elevando o capital garantido para $3.800 contos. As obras, em bitola métrica, foram iniciadas em 1878, concluindo-se o trecho de 24 km até Ipiabas, em 1881. Conservatória seria inaugurada no ano seguinte. Chegou a Sta. Isabel em 1886, com 74 km , recebendo a estação terminal o nome de Joaquim Matoso, que era o presidente da concessionária. Diferentemente da Valenciana, que tinha sede em Valença, a Sta. Isabel era estabelecida na Corte.

O relevo da região não era fácil, de modo que ambas as estradas, empregando condições técnicas muito modestas, tiveram que serpentear entre os morros para que os seus orçamentos ficassem,o mais próximo possível,dentro do capital garantido.

Em 1888, a Sta. Isabel adquiriu uma concessão dada pela província de Minas, com garantia de juros de 7 % sobre $4.000 contos para a ligação de Sta. Rita de Jacutinga a Lavras, no planalto do rio Grande, sendo, no ano seguinte, vendida para a Cia. Viação Férrea do Sapucaí, detentora de uma grande concessão no Sul de Minas que se articularia com a Mogiana na divisa com S. Paulo. Em função desta compra, a Sapucaí diligenciou para prolongar a linha de Sta. Isabel até Sta. Rita ( 14 km ), cruzando o rio Preto junto à confluência do rio Bananal / Jacutinga, e subindo por este, inaugurou Sta. Rita em 1893. Para chegar ao rio Grande, em Bom Jardim, teria que vencer a escarpa da Mantiqueira, que, pelo vale do Jacutinga, previsto na concessão, oferecia um desnível de mais de 600m.

Para levar a cabo as duas concessões mineiras, a Sapucaí não tinha recursos e devido ao fechamento do mercado financeiro, em decorrência do Encilhamento, foi com uma linha de crédito aberta pelo governo de Minas, extensiva a outras concessionárias, que conseguiu subir a Serra, em um traçado muito pobre, cruzando o rio e seus afluentes, ao lado de cachoeiras, até a garganta do Pacau, de onde se avista a maior delas. Chegou a Bom Jardim em 1897, de onde rumaria agora, como estipulava o contrato de financiamento, não mais para Lavras, mas ao encontro da sua outra concessão, cuja ponta mais próxima estava em Baependi, a120 km.

Devido às dívidas que havia contraído, a Sapucaí teve a sua falência requerida em 1898, para o que também contribuiu a frustração das suas receitas com a crise que estava se registrando no mercado do café. A falência só veio a ser levantada no ano seguinte, com a transformação de parte dos créditos em ações distribuídas aos seus credores e reescalonamento do pagamento do restante. Não sobrando recursos para operar convenientemente, só podia oferecer um serviço que era motivo de frequentes reclamações de sua clientela.

Em 1909 / 1910, ocorrem dois fatos que teriam grande significação para Sta. Rita de Jacutinga: a realização pelo governo federal da concorrência para arrendar as suas estradas do Sul de Minas, da qual participou a Sapucaí , e a criação, pelo decreto 8.077 / 1910 do vice-presidente Nilo Peçanha, da rede fluminense, um sistema de bitola métrica que articularia com a Linha Auxiliar da EFCB, as pequenas estradas que se situavam entre o rio Paraíba e o rio Preto, e que estavam praticamente falidas com a decadência dos cafezais. A Valenciana era uma delas, não participando a Sta. Isabel por já pertencer à Sapucaí. A rede fluminense constava do Plano de Viação da Província de 1886, elaborado sob encomenda do presidente Rocha Leão por uma comissão de notáveis presidida por Teixeira Soares.

A concorrência do arrendamento das estradas federais foi preparada por Paulo de Frontin, como chefe da Inspetoria Federal de Estradas. O governo demorou mais de um ano para oficializar a escolha do vencedor. Pressionado por interesses políticos, a eleita foi a Sapucaí, contrariando o parecer de Frontin que considerar ser inexeqüíveis as ofertas constantes de sua proposta, pois era notório o estado precário de suas finanças. Pela proposta, as linhas federais arrendadas e mais as de sua concessão, que ainda estavam incompletas, formaram a Rede Sul Mineira.

Frontin deixou a IFE para ser o diretor da EFCB ainda no governo Nilo Peçanha, e pôs logo em execução o plano da rede fluminense. O governo desapropriou a Valenciana e duas outras estradas menores, promovendo a sua interlig ação, bem como a da Valenciana com a Linha Auxiliar, com a construção do ramal Portela – Vassouras, e pondo um terceiro trilho na linha do centro da EFCB entre Barão de Vassouras e Desengano (Juparanã). Como determinava o decreto, projetou e começou a construir a ligação da Valenciana em Parapeúna, com a Sapucaí, em Sta.Rita, subindo, então, o rio Preto por mais de 40 km . O projeto era reclamado pelos produtores da região porque a Sapucaí não os estava atendendo como desejavam.

O projeto Parapeúna – Sta. Rita teve singularidades. Apesar de Frontin compreender o significado da ligação, que era de proporcionar uma recuperação econômica da região, depauperada com a exaustão dos cafezais, e de ter adotado padrões econômicos, compatíveis com os pequenos fluxos que seriam gerados, preferiu nada aproveitar do traçado da Sapucaí, com o que pouparia outra ponte sobre o rio Preto, construída a 5 km a jusante da existente, e um túnel, já na entrada de Sta. Rita, com pouco mais de 100 mde comprimento. Havia três estações intermediárias – Fernandes Figueira, João Honório, em homenagem ao então proprietário da famosa fazenda Sta. Clara, que lhe fica em frente, do outro lado do rio Preto, e Barbosa Gonçalves, nome do ministro da Viação do governo Hermes da Fonseca. A estação da EFCB em Sta. Rita foi construída a menos de100 m da da Sapucaí e com uma área que era o dobro desta. A súbita interrupção das obras federais em 1913, devido ao corte sumário de verbas, fez com que o trem da EFCB só chegasse a Sta. Rita em 1918, com a conclusão, no ano anterior, daquelas duas obras de arte. A administração que sucedera Frontin na EFCB, apesar dos tempos difíceis em que vivia o Tesouro por causa da 1ª Guerra, retomou as obras, compreendendo a finalidade da ligação. Durante o tempo em que era construída, a situação da Sapucaí, agora transformada em Rede Sul Mineira, havia se tornado ainda mais grave, obrigando o governo federal a rescindir o contrato de arrendamento em 1920, recontratando-o com o Estado de Minas.

O alívio proporcionado pela EFCB não foi, como não poderia ser, suficiente para trazer de volta o progresso a Sta. Rita. Por isto, tanto a Rede Sul Mineira como a EFCB registravam déficits muito altos em seus ramais, justificando a colocação em um segundo plano, os investimentos que ambas selecionavam para melhorá-los. O governo do Estado tinha razões para preferir aplicações que beneficiavam o transporte do café do Sul de Minas. A atividade econômica que sobressaiu foi o turismo, proporcionado pela natureza exuberante da Mantiqueira e pelas inúmeras cachoeiras dos rios que dela se despencam.

A esta dádiva da natureza, juntam-se, agora, as lembranças do que foram as duas ferrovias. Da EFCB, a sua grande estação, subutilizada como rodoviária, o túnel e boa parte do leito, de onde se descortina uma vista espetacular do vale do Bananal / Jacutinga, até a sua foz no rio Preto. E da Sul Mineira, a estação, ainda sem nenhum uso público, a ponte sobre o rio Preto, aproveitada pela rodovia que vem de Sta. Isabel, e a pequena ponte sobre o Bananal / Jacutinga, aproveitada como equipamento urbano, apesar do seu pequeno gabarito que só dá passagem para um só veículo. Com a conclusão da pavimentação e o aumento do tráfego decorrente, é provável que a ponte ceda o seu lugar a uma estrutura mais segura e mais conveniente.

O empecilho maior para que o turismo se desenvolvesse era o acesso à cidade. No tempo das ferrovias, gastava-se quase que um dia inteiro para se deslocar do Rio de Janeiro até lá, supondo-se haver correspondência perfeita entre os dois ou três trens que cobriam o percurso. E depois da erradicação, os trechos em terra de estradas mal conservadas. Felizmente, falta pouco para se completar a pavimentação ligando Sta. Rita à via Dutra e a Bom Jardim, na estrada de Juiz de Fora ao Circuito das Águas.

(*) Américo Maia Vasconcelos Neto, engenheiro, consultor e pesquisador ferroviário, foi Diretor da RFFSA – Rede Ferroviária Federal S/A e Diretor – Presidente da CBTU – Cia. Brasileira de Trens Urbanos.


Túnel da EFCB
Ponte da RMV
Estação da EFCB
Estação da RMV

Fotos Ronan P. Amaral - 2002

Abaixo e-mail recebido do Sr. Américo. Concordamos que o estado de Minas Gerais deva preservar a ponte sobre o rio Bananal, uma das relíquias da EF Sapucaí.

Prezado Ricardo,

Passei a entrada do ano em Sta. Rita para conhecer como eram as duas estradas que lá chegavam. Encontrei um patrimônio inestimável que só em parte, está preservado. Impressionei-me com o que restou da Sapucaí: a ponte sobre o rio Preto, aproveitada pela rodovia que vem de Sta. Isabel, uma belíssima viga em treliça Pratt, com um só vão de 40 m. E a ponte sobre o rio Bananal (o mesmo da usina de Carlos Euler), também aproveitada para tráfego urbano, apesar de sua largura acanhada, que só dá passagem para um só veículo. O Estado está asfaltando a estrada que vem de Bom Jardim, cumprindo a promessa da atual administração de chegar com o asfalto a todos os municípios mineiros. E é provável que o asfalto prossiga até a divisa com o Rio de Janeiro, no rio Preto, quando então o tráfego aumentará consideravelmente. Neste caso, a ponte do Bananal logo se mostrará insuficiente, sendo certa a sua substituição. Creio que devemos fazer um movimento para preservá-la, porque constituirá uma excelente passagem para pedestre, além de preservar o patrimônio ferroviário. A Residência do DER daí de Lavras poderá lhe informar a respeito. Outra relíquia ferroviária é, sem duvida, o túnel da Mantiqueira, bem no meio da Serra, de acesso difícil, porque a rodovia preferiu subir pela margem direita do Jacutinga (a Sapucaí o fez pela esquerda, até às nascentes, na garganta do Pacau. A estação, bem na garganta, não existe mais, mas o local é de uma grande beleza, amplo, e em cota bem menor que a de Pestana, como V. poderá ver na carta do IBGE.
Vale a pena uma visita sua, para documentar o patrimônio. É a minha sugestão. E se V. for, recomendo-lhe a pousada O Meu Canto, onde o Sr. Geraldo tem a historia e a geografia de Sta. Rita, na cabeça. Um abraço do Américo.

4 comentários:

  1. Parabéns ao Sr.Américo por trazer essa informações, a cada dia tenho a certeza que a corrente para restaurar nossa história e preservar esse imenso patrimônio ferroviário é maior.As fotos são fascinantes,tomara que recursos possam ser para lá alocados,por terem conservado essas raridades.

    ResponderExcluir
  2. FIQUEI EMOCIONADA AO LER ESTA PAGINA,NASCI EM SANTA RITA EM 1960,MORAVA LA NA ESTRADA DO RIO PRETO E QUANDO ESCUTAVA O APITO DO TREM CORRIA PRA VER O TREM PASSAR NAQUELE PONTILHAO PERTO DAQUELA PLANTAÇA0 DE EUCALITO QUE HOJE JA NAO EXISTE MAIS.QDO VOLTAVA DA ESCOLA VINHA ANDANDO SOBRE OS TRILHOS, QUE SAUDADA.

    ResponderExcluir
  3. E MUITO BOM VIAJAR NO TEMPO, CONHECER ESSES PATRIMONIOS, LEMBRAR DAS HISTORIAS QUE MEUS PAIS CONTAVA, EPOCA DO AUGE DESSAS FERROVIAS ,E TRISTE SABER QUE NOSSAS AUTORIDADES, ESTAO SE LIXANDO PARA ESSES PATRIMONIO,QUE SE NAO PRESERVAR, JAMAIS NOSSOS NETOS,E BISNETOS IRAO CONHECER... PEDRO CORREA DA SILVA BARRA DO PIRAI RJ

    ResponderExcluir

Sua participação é muito bem-vinda. Caso escolha a opção "Anônimo" peço deixar seu nome completo e sua cidade no texto do comentário para que possamos publicá-lo. Obrigado.

Ricardo